sábado, 14 de março de 2009

O Super-homem (Nietzsche)

O Super-homem
O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem - uma corda sobre um abismo.
É o perigo de transpô-lo, o perigo de estar a caminho, o perigo de olhar para trás, o perigo de tremer e parar.
O que há de grande, no homem, é ser ponte, e não meta: o que pode amar-se, no homem, é ser uma transição e um ocaso.
Amo os que não sabem viver senão no ocaso, porque estão a caminho do outro lado.
Amo os grandes desprezadores, porque são os grandes veneradores e flechas do anseio pela outra margem.
Amo aqueles que, para o seu ocaso e sacrifício, não procuram, primeiro, um motivo atrás das estrelas, mas se sacrificam à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem.
Amo aquele que vive para adquirir o conhecimento e quer o conhecimento para que, algum dia, o super-homem viva. E quer, assim, o seu próprio ocaso.
Amo aquele que trabalha e faz inventos para construir a casa do super-homem e preparar para ele a terra, os animais e as plantas: porque, assim, quer o seu próprio ocaso.
Amo aquele que ama a sua própria virtude: porque a virtude é vontade de ocaso e uma flecha do anseio.
Amo aquele que não guarda para si uma só gota de espírito, mas quer ser totalmente o espírito da sua virtude: assim transpõe, como espírito, a ponte.
Amo aquele que da sua virtude faz o seu próprio pendor e destino: assim, por amor à sua virtude, quer ainda e não quer mais viver.
Amo aquele que não deseja ter demasiadas virtudes. Uma só virtude é mais forte do que duas, porque é um nó mais forte ao qual se agarra o destino.
Amo aquele que prodigaliza a sua alma, não quer que lhe agradeçam e nada devolve: pois é sempre dadivoso e não quer conservar-se.
Amo aquele que sente vergonha se o dado cai a seu favor e que, então, pergunta: "Sou, acaso, um trapaceiro?" - porque quer perecer.
Amo aquele que atira palavras de ouro precedendo seus atos e, ainda assim, cumpre sempre mais do que promete: pois quer o seu ocaso.
Amo aquele que justifica os seres futuros e redime os passados: porque quer perecer dos presentes.
Amo aquele que pune o seu Deus, porque o ama: pois deverá perecer da ira do seu Deus.
Amo aquele cuja alma é profunda também na mágoa e pode perecer de uma pequena ocorrência pessoal: assim transpõe a ponte de bom grado.
Amo aquele cuja alma é tão transbordante que se esquece de si mesmo e que todas as coisas estão nele: assim, todas as coisas tornam-se o seu ocaso.
Amo aquele cujo espírito e coração são livres: assim, nele, a cabeça é apenas uma víscera do coração, mas o coração o arrasta para o ocaso.
Amo todos aqueles que são como pesadas gotas caindo, uma a uma, da negra nuvem que paira sobre os homens: prenunciam a chegada do raio e perecem como prenunciadores.
Vede, eu sou um prenunciador do raio e uma pesada gota da nuvem; mas esse raio chama-se super-homem.

Friedrich Nietzsche – In Assim Falava Zaratustra

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