quinta-feira, 2 de julho de 2009

A INDÚSTRIA CULTURAL E O DESENVOLVIMENTO REGINAL


Ms. Valquíria Padilha – FAAG/Unicamp

O tema desta mesa é “indústria cultural e desenvolvimento regional” o que nos remete a reflexões sobre temas como: a) o da produção industrial da cultura, b) desta indústria cultural como lazer e c) de como este tipo de lazer acontece em uma época chamada de globalização. A grande questão parece ser a seguinte: Como pensar o global e o local a partir da indústria cultural?
Vamos então começar pelo começo e rever o conceito de “indústria cultural” criado pelos filósofos marxistas alemães, fundadores da Escola de Frankfurt, Max Horkheimer e Theodor Adorno, que publicaram este termo pela primeira vez em 1947, num livro chamado “A dialética do iluminismo, fragmentos filosóficos”.
Nesta obra, os autores analisam o complexo processo em que a arte vira um negócio, em que as necessidades são padronizadas e manipuladas por uma racionalidade técnica repressiva que rege as sociedades capitalistas industrializadas. Porém, como toda racionalidade permanece, de uma forma ou de outra, irracional, o trabalhador, durante o seu tempo supostamente livre, fica amarrado à lógica e ao ritmo da produção. Os princípios da industrialização eram transferidos para o campo das artes, o que inspirou estes autores a criarem o termo “indústria cultural”.
Assim, a arte é transformada por efeitos técnicos e mistura a ficção com o real, acabando com a espontaneidade e a imaginação das pessoas. Os filmes do cinema ou as músicas, por exemplo, são totalmente previsíveis. Esta “indústria cultural”, regida sob as mesmas regras que regem a indústria de mercadorias, transforma o tempo livre dos trabalhadores em uma verdadeira extensão do trabalho, já que o indivíduo perde sua individualidade e continua preso a uma rotina comandada pela técnica.
(...)
O que caracteriza particularmente a “indústria cultural” é o fato de ela deixar o corpo livre da tirania, mas aprisionar diretamente a alma das pessoas. É necessário que a alma se adapte à cultura produzida industrialmente, mais do que o próprio corpo. A “indústria cultural baseia-se no divertimento, mas faz uma transposição da arte para a esfera do consumo, popularizando, digamos assim, a chamada “arte séria”, que é a arte burguesa. O poder que a “indústria cultural” exerce sobre os consumidores está justamente na sua capacidade de conferir um caráter de divertimento para tudo. Assim, os instrumentos da indústria cultural (TV, cinema, rádio, revista: os meios de comunicação de massa) tornam-se válvulas de escape para os trabalhadores que exercem tarefas mecanizadas e cansativas no trabalho.
O lazer oferecido pela indústria cultural é, então, um lazer compensatório para que o trabalhador possa se divertir um pouco e voltar ao trabalho em condições de suportá-lo por mais um período de tempo. No entanto, o trabalhador torna-se um espectador que não precisa pensar, nem imaginar, nem ser criativo diante da cultura industrializada que evita qualquer esforço intelectual. Assim, a indústria cultural continua preparando o sujeito para ser um trabalhador alienado, totalmente imerso nas regras do processo de trabalho.
Horkheimer & Adorno tecem pesadas críticas a esta forma de produção de cultura e de lazer dizendo que a indústria cultural não torna a vida dos homens mais humana e promete o prazer quando, na verdade, priva os espectadores deste prazer. Ao expor os objetos de desejo, ela apenas excita o prazer preliminar que não se realiza nunca. A indústria cultural é, na verdade, uma falsa sociedade onde o riso golpeou a felicidade. Nesta falsa sociedade prevalece o princípio erótico de que nunca se chega ao que se deseja, a frustração é, portanto, permanente. Para funcionar, a indústria cultural deve prender os consumidores às necessidades que ela cria e tem que fazê-los compreender que se deve contentar com o que lhes é oferecido e prometido que é a fuga da vida cotidiana. Isso porque divertir é esquecer a dor, fugir dos problemas e não pensar em nenhum tipo de resistência.
Para estes filósofos alemães da Escola de Frankfurt, ainda em 1947, os consumidores são meros objetos, ingênuos, se identificam com os personagens criados, são facilmente manipuláveis pela indústria cultural que generaliza o homem de forma que cada um é aquilo que qualquer outro poderia ser.
A indústria cultural é conservadora da ordem capitalista e faz crer que a vida desumana pode ser tolerada e que se pode continuar a viver assim. Os homens são totalmente dobrados pelo sistema capitalista. Este sistema provoca fratura nas sociedades, mas, estas fraturas são reproduzidas e reabsorvidas pela indústria cultural de forma a mascarar as contradições da vida social. Ela oferece um modelo de sucesso e de felicidade a ser seguido por todos que, neuroticamente, assimilam tudo. Nas palavras dos autores: “É o triunfo da propaganda na indústria cultural, a assimilação neurótica dos consumidores a mercadorias culturais”.
Sabe-se, então, que a globalização é uma etapa atual do capitalismo e que é um empreendimento totalitário que visa dominar todas as esferas da vida humana e social: a economia, a política, a cultura, a ciência, a geopolítica, etc.. A globalização é, na verdade, um enorme e complexo projeto de ocidentalização do mundo e conta, dentre outros instrumentos, com a ajuda preciosa da indústria cultural. É, sobretudo, o cinema e a música que agem como aliados deste processo ao divulgar – seja esta divulgação entendida como imposição ou não – o chamado american way of life, ou o modo americano de vida. Ser um cidadão do mundo, hoje é ser um sujeito que se veste como um norte-americano, que come o que ele come, que ouve e vê o que ele ouve e vê, que ama e se relaciona como ele ama e se relaciona, que decodifica os mesmos signos que um norte-americano. Todos estes valores, sentimentos e ações são copiados dos norte-americanos e são considerados sinônimos de vida inteligente na Terra graças ao fabuloso mundo hollywoodiano do cinema.
É por esta mesma lógica que, cada vez mais, os centros comerciais são chamados, no Brasil, de shopping centers; é por isso também que a gente come, no Brasil, chips de bacon e não batatas fritas sabor presunto. É por isso que os professores nas universidades pedem para seus alunos escreverem papers e não artigos; e fazemos surveys e não pesquisas. É pela imposição deste modo americano de vida travestido de globalização que os jogos eletrônicos são chamados, no Brasil de videogames ou de playstation e que um disco compacto é chamado de CD (Compact Disc) ou um endereço eletrônico é chamado de e-mail.
Bom, vocês devem estar se perguntando, assim como eu estou, como é que se sai desse turbilhão? Não tenho nenhuma receita ou guia turístico alternativo, mas sei que, em primeiro lugar é preciso querer sair. É preciso, como dizia o próprio Adorno, renunciar a esta falsa felicidade que nos é prometida pelo capitalismo, por todos os lados, de diferentes maneiras. É preciso fundamentalmente resgatar uma idéia de cultura diferente desta que nós estamos acostumados a ver e que é uma concepção reificada de cultura, ou seja, acabamos por associar à cultura tudo o que é instrumento ou objeto de algumas manifestações culturais, como o disco, a peça teatral, o livro ou o filme, por exemplo.
Cultura é muito mais do que isso, do que mercadoria, do que coisa. Cultura é processo e, enquanto tal, é fruto de trabalho, de ação, de criação. Cultura é obra de todos nós, por isso, não há quem tenha cultura e quem não tenha cultura. “Ter” é um verbo que não casa com uma idéia de cultura que não seja mercadoria. Somos todos seres culturais e, portanto, somos seres que significamos o mundo pelos símbolos que criamos e que recriamos o tempo todo. O significado que damos ao mundo depende, obviamente, das condições materiais e sociais de existência, mas, significar – no sentido de criar signos - é o que diferencia o homem e a mulher dos outros animais.
Se a cultura for entendida como criação humana, do povo – de todas as pessoas, em suas diversas formas de organização – toda cultura é popular e, como disse Alfredo Bosi, enquanto houver povo haverá cultura popular, haverá cultura local, regional, nacional. O projeto da globalização quer acabar com a idéia de povo nacional, de população regional porque quer acabar com este tipo de cultura que não é a cultura necessariamente produzida industrialmente nos moldes dos princípios capitalistas. Mas é preciso resistir e re-descobrir outras formas de cultura que nos ajudem a romper com esta neocolonização que chamam de globalização. (Grifos meus)
Ao afirmar que é papel da educação formar um sujeito crítico, criativo e conhecedor da sua realidade, corremos o risco de transformar a expressão em um grande chavão se o professor(a) não refletir sobre o que isso quer dizer. Criticidade, criatividade e conhecimento, sem sombra de dúvida, têm se tornado cada vez mais competências exigidas para os sujeitos do século XXI. Portanto, desenvolvê-la é tarefa de todos os profissionais do ensino comprometidos com uma sociedade menos desigual. O contexto denunciado por Padilha é hegemônico. Se pretendemos formar o sujeito da expressão, não podemos negligenciar esta discussão.
Ao compreendermos as discussões propostas por Padilha nesse texto, podemos constatar que falta educação para o lazer e para a crítica sobre o que está sendo oferecido. Certamente, essa não é uma tarefa só da escola, mas, sem dúvida, ela tem um papel imprescindível na formação dos alunos e alunas. É sabido que, nossas escolas têm preparado as crianças e adolescentes para a inserção no mundo do trabalho, mas pouco tem feito para educar no sentido do desfrute de outras vivências tão importantes como o lazer. Aprender a ouvir uma boa música, apreciar filmes e livros, a natureza, jogar, brincar, cantar, dançar. Despertar a sensibilidade, a criatividade, o estar junto, descobrir a si mesmo, o outro e o mundo que nos cerca em busca da saúde e da qualidade de vida, tudo isso é função também de uma educação humanizadora.


Nenhum comentário:

Postar um comentário