quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O MUNDO COMO VONTADE DE REPRESENTAÇÃO



Schopenhauer nos apresenta a sua idéia de mundo na sua extensa obra chamada O mundo como vontade de representação (1818). O mundo em Schopenhauer é vontade, e vontade se faz representação, representação é uma vontade disfarçada na individuação. É nessa dinâmica que a vida como sendo sofrimento e dor deve ser entendida, ao contrário de ser mera ofensividade.
A representação é o mundo tal como nos aparece na sua multiplicidade, porém, essa multiplicidade representativa que o homem cria, é organizada e articulada no espaço e no tempo. Surge ai dois princípios: o princípio da individuação e o de razão. O princípio da individuação nos remete ao que Schopenhauer concebe como sendo espaço e tempo, em suas formas de individuação e multiplicidade onde os fenômenos ocorrem. Por princípio da razão, o filósofo entende
o caráter explicável que nós damos aos fenômenos que se sucedem no espaço-temporal. Ressalta importante a fazer é que a razão para Schopenhauer não é revestida do tradicionalismo filosófico socrático-cartesiano. A razão é mera ilusão; embora as representações do mundo
sejam organizados pela nossa razão, a “verdade” será sempre inacessível, sendo este título reservado à vontade. Tirando a vontade, conceito central da filosofia schopenhauriana, nada existe no mundo senão fantasias.
Schopenhauer revestiu a vontade com a essencialidade metafísica, daí um dos pontos de discordância de Nietzsche. O elementar existente em toda vida é a vontade. Mas o que é a vontade? A vontade é um impulso cego presente em todos os seres vivos, ela não é acessível à razão, mas se mostra através da razão. O objetivo da vontade não é senão a satisfação, que também não é da ordem cognoscente. Porém o mundo não permite que essa vontade seja satisfeita em sua plenitude, há obstáculos demais, de tal forma que é exatamente nesse contexto que devemos entender o mundo como sendo sofrimento e dor para Schopenhauer.
Não há nenhuma forma de satisfação da vontade em sua integridade, quando não muito um pouco de gozo, mas que tão logo dissipa no surgimento de outras necessidades. É nesse movimento incessante pela busca de satisfação, sendo ela jamais obtida de forma integral, que a vida é uma sucessão de sofrimentos com alguns pontos de prazer.
São na alternância entre sofrimento e prazer, desejos e decepções que surgem com o devir que a vontade se manifesta. A vida em total equilíbrio é impossível, a vontade é movimento constante em busca da satisfação, é o nascer e o perecer incessantemente sendo renovado. Nesse sentido, somos eternos, pois sendo vontade a essência da vida para Schopenhauer, ela é sempre sucessão infinita presente na Vida, um eterno ciclo renovável.
A vontade reside fora do campo das aparências e não habita o espaço-temporal. Somente no corpo é que podemos perceber as suas manifestações em essência, para Schopenhauer, o homem é vontade. Mas se habitamos um espaço-temporal, isto é, fora das acomodações da vontade, como ela se apresentará no mundo? A vontade se apresenta pelas representações. Como anseio ávido, impulso básico e cego da espécie, ela se objetiva através do mundo das ideias. É por meio do princípio da individuação e da razão que a vontade usa “roupagens” múltiplas para ser-no-mundo. A representação se mostra como expressão da vontade disfarçada que disputa a matéria em um espaço-temporal.
Freud, na construção do inconsciente, apoiou-se fundamentalmente na filosofia de Schopenhauer. Nietzsche, como já dito, também se apropriou da vontade, porém, desvestida de essência e verdade, e para além de sua função cega e negativa da vida, fez da vontade a força criadora que permite ao homem fazer de si uma obra de arte ou se quebrar nela mesma: a vontade de potência.
É ingênuo atribuir a Schopenhauer o termo pessimista tal como ele costuma ser significado para nós: fazendo oposição à felicidade inventada pelos homens modernos, que tem como essência a crença em um terno estado de perfeito gozo ou a leviana ideia de que somente “pensamentos positivos” devem fazer parte do nosso itinerário. Schopenhauer oferece nada mais que uma interpretação para a vida. Uma vida que é vontade cega num devorar-se a si mesma, sem cessar. A dor e a destruição são intrínsecas a essa vida, pois a vontade é indiferente à individuação, de tal forma que ela necessariamente acarreta o sofrimento do outro e de si. Um corpo habitado pela vontade não vê outro senão como inanimado, um meio para satisfação como qualquer objeto, decorrendo daí, tal como em Hobbes, uma natureza onde o homem é o lobo do homem.
Com essa ideia terrível de vida, Schopenhauer não está sentenciando a vida no conformismo, não está dizendo para nós fazermos guerra uns com os outros. Conhecendo essa vontade cega que reside nos subterrâneos da nossa existência, para Schopenhauer, podemos buscar formas mais satisfatórias de relacionamento com o mundo e com as outras vontades, isto é, com os outros seres vivos. Como caminhos possíveis que Schopenhauer nos oferece para escapar do incessante devorar-se a si mesmo imposto pela vontade, há a contemplação estética e o ascetismo. O primeiro é a possibilidade do homem transcender sua percepção de mundo, libertar-se do desejo e, temporariamente, contemplando a aparência do belo, suprimir o sofrimento. A arte, por excelência, é para Schopenhauer um meio para contemplação capaz de ofuscar a vontade. A contemplação pura da arte, descompromissada, faz o sujeito perder-se de si, ela é independente do princípio da razão e atemporal. Por meio da arte o homem pode “apagar”, momentaneamente, o mundo que é sofrimento e trazer a visão confortante da percepção artística.
.

Um comentário:

  1. A verdade como inacessível? Se a verdade nunca fora descoberta pelo homem, logo existe a possibilidade de nunca ter existido. Mas é apenas um homem que faz dessa minha premissa uma conclusão, logo não se tem certeza da "Verdade" desse argumento. kkk

    ResponderExcluir